Não sei quem sou, que alma tenho. Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).
Para além da curva da estrada Talvez haja um poço, e talvez um castelo, E talvez apenas a continuação da estrada. Não sei nem pergunto. Enquanto vou na estrada antes da curva Só olho para a estrada antes da curva,
Eu amo tudo o que foi Tudo o que já não é A dor que já me não dói A antiga e errônea fé O ontem que a dor deixou, O que deixou alegria Só porque foi, e voou E hoje é já outro dia.
Não basta abrir a janela Para ver os campos e o rio. Não é bastante não ser cego Para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Com filosofia não há árvores: há idéias apenas. Há só cada um de nós, como uma cave. Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" Heterónimo de Fernando Pessoa
... Nem tudo é dias de sol, E a chuva, quando falta muito, pede-se -Por isso tomo a infelicidade com a felicidade Naturalmente, como quem não estranha Que haja montanhas e planícies E quando haja rochedos e erva... O que é preciso é ser-se natural e calmo Na felicidade ou na infelicidade, Sentir como quem olha, Pensar como quem anda, E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre, E que o poente é belo e é bela a noite que fica... Assim é e assim seja...
Quando é que passará esta noite interna, o universo, E eu, a minha alma, terei o meu dia? Quando é que despertarei de estar acordado? Não sei. O sol brilha alto, Impossível de fitar.
Não digas nada! Nem mesmo a verdade Há tanta suavidade em nada se dizer E tudo se entender - Tudo metade De sentir e de ver... Não digas nada Deixa esquecer
"A vida é uma viagem experimental, feita involuntariamente. É uma viagem do espírito através da matéria, e, como é o espírito que viaja, é nele que se vive." Fernando Pessoa.