Em nenhuma outra idade as experiências são tão profundas e se gravam tão
indissoluvelmente em toda a constituição corpórea, anímica e espiritual como na idade
pré-escolar. Se nessa idade a criança não vivenciar devoção, alegria, expectativa,
participação, interesse mútuo, veneração de algo superior, falta-lhe uma experiência
de si mesma, uma autoafirmação essencial.
Pois ela vem ao mundo querendo
entregar-se com confiança plena e espera essa confirmação. Desse modo, é possível
que haja a consolidação da ‘confiança primordial’ descrita muitas vezes.
Tendo passado o período da imitação dedicada, não é mais possível ocorrer uma
impregnação tão profunda na constituição corpórea. Muitas vezes, torna-se difícil
compensar essa deficiência mais tarde e ‘aprender’ a ter confiança na existência e
alegria de viver. Desde que educação religiosa não signifique ensinar à criança
quaisquer ‘preceitos morais’, mas, se ela for baseada na vivência conjunta de
qualidades religiosas como calma, paz, devoção, veneração, confiança, as crianças
levam para vida uma segurança interior e a possibilidade de terem calma interior, o
que pode servir de esteio em situações difíceis. Mesmo se o jovem ou adulto ainda
não se decidiu para uma vida religiosa iniciada de forma independente, essa
lembrança das experiências da infância lhe darão suporte, força e segurança na vida.
A partir das poucas indicações apresentadas, deve ter ficado claro que não importa
qual confissão fundamenta a educação religiosa. Pois os valores e as ‘atmosferas’
religiosas mencionadas encontram-se em todas as confissões religiosas, e estes é que
são importantes na infância. Para qual das confissões alguém se inclina mais tarde
deveria ser resultado de sérias considerações e análises íntimas em relação à questão
de Deus. Independentemente da escolha feita, haverá uma grata lembrança das
experiências infantis de devoção religiosa que os adultos propiciaram com meios
singelos e, assim, permitiram à criança experimentar a confirmação citada.
Quem objetar que não deveríamos educar as crianças tendo em vista uma
determinada confissão religiosa, ou mesmo aspectos religiosos, pois a decisão para
uma vida religiosa deveria estar na liberdade de cada um, pode ser rapidamente
curado dessas ponderações quando se conscientizar de quantas pessoas saíram da
igreja nas últimas décadas e, também, quantas pessoas abandonam as convicções
religiosas da casa paterna e trilham seu próprio caminho espiritual. Contudo, se as
crianças não tiverem uma educação religiosa, posteriormente, na vida, elas terão
muito mais dificuldades de partir em busca de valores espirituais, porque não
conseguirão recorrer a experiências anteriores e, por isso, na realidade não saberão
exatamente o que procurar.
Que isso é assim mesmo, podemos observar hoje em dia no aumento cada vez mais
intenso dos vícios e da dependência das drogas, pois a doença relacionada aos vícios
é a doença da falta de religião. Quando se pergunta aos dependentes de drogas por
que optaram por essa vida, isso fica nítido. Eles procuram exatamente as qualidades e
os valores que correspondem às experiências religiosas: calma e proteção, vivência
de relações humanas nas quais haja confiança, vivência de luz e calor, vivências
sensórias intensas e vigorosa experiência de si mesmos. Muitas vezes, eles dizem
que foram as dúvidas insuportáveis quanto ao sentido de toda essa vida que os
lançaram no vício, ou porque eles nutrem um imenso ódio da maldade e injustiça no
mundo, ou ainda por não terem experimentado amor e proteção junto às pessoas.
Somente no mundo das drogas eles encontraram isso. Mesmo que a ‘carreira’ de
drogado não represente uma verdadeira perspectiva de vida, prevalece a gratidão por
nela sempre poder deixar de lado as dúvidas atrozes, os temores e ser acolhido por
outro mundo, de cores, luz, amizade e proteção. É verdade que se entra nesse mundo
sem sua autoconsciência desperta, mas ao menos se sai da estreiteza, da
mediocridade e da solidão dessa vida aparentemente tão sem sentido.
Força Sanadora da Religião – questões de educação/formação de comunidade
espiritual/culto, de Michaela Glöckler. Editora Antroposófica e Federação das Escolas
Waldorf no Brasil (FEWB), São Paulo, 2011, páginas 33 a 35.
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