Num ano em que celebrando Mozart se falará sem dúvida da FLAUTA MÁGICA, ópera de iniciação maçónica composta sobre um libretto escrito ao mesmo tempo com grande leveza e grande profundidade,não posso deixar de recordar como Goethe se entusiasmou com essa obra, sendo ele mesmo maçon e autor inspirado. Primeiro quis fazer uma continuação da ópera. Mas o que é perfeito não pode ser retomado, é já completo em si mesmo. Depois, em 1795, escreve então o Conto da Serpente Verde, (Das Maerchen)que considero a verdadeira continuação, no puro plano do maravilhoso alquímico, do que fora a Flauta Mágica de Mozart.
Ronald Gray, um dos primeiros estudiosos do Conto,define-o como "conto de fadas, carregado de fantasias alegóricas..de natureza alquímica" ( in Ronald D.GRAY, GOETHE THE ALCHEMIST, 1952 ) .
Lemos no Conto uma polaridade inicial, um conflito de opostos,macho e fêmea, luz e trevas, e uma transmutação, a da serpente, em pedra preciosa e a seguir em PONTE, que permite a comunicação e a solução de todos os iniciais conflitos e dificuldades. Os ingredientes necessários estão presentes na obra: os 4 elementos, água, fogo, terra, ar; os 2 princípios, Sol(ouro), Lua(prata) e as várias fases de progressão: nigredo, albedo, rubedo, e pelo meio, como era usual, a cauda pavonis, pelo brilho das muitas pedras preciosas coloridas.
Através da serpente se cumprirá o"omnia in uno", o Todo em Um, dos filósofos herméticos.
Consagra-se no fim a união do Amor e da Sabedoria : dá-se o casamento real do príncipe e da princesa, o templo emerge das águas onde estava oculto, a serpente, aceitando a necessidade de se sacrificar a um interesse superior, o COLECTIVO, permite que finalmente se unam as duas margens do rio, para que todos possam, nas devidas alturas, deslocar-se ao templo e aí assistir, ou participar nas suas cerimónias.
PONTE e TEMPLO: caminho unificador e centro de revelação.
Termino com a exortação de DORNEUS : " transformai-vos de pedras mortas em pedras filosóficas vivas" ( citado por Jung em Psychologie und Alchemie ).
Muitos anos mais tarde, Goethe, que nunca desejou explicar muito bem o mistério do sagrado e do profano no seu Conto, haveria de escrever, numa carta de 1814: " As pessoas utilizam como símbolo da eternidade a serpente que se fecha num círculo. Eu, pelo contrário, gosto mais de a considerar como imagem de uma temporalidade feliz.."
Uma temporalidade feliz, não era já o segredo da alegria de um Papageno /Papagena, na ópera de Mozart ?
A SUBLIMAÇÃO, como observou Paulo Quintela àcerca do verso "morre e devém" de SELIGE SEHNSUCHT, não se dá fora do mundo que é o nosso, só é possível aceitando a própria natureza, que é limiar e limite, como a arte.
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