quarta-feira, agosto 24

O sentido original do brinquedo

Ao escrever este texto, lembrei-me de Pieter Bruegel (1525-1569), e de seu belo quadro “Jogos Infantis”, no qual podemos encontrar 84 tipos de brincadeiras. Nele, o pintor retrata as atividades lúdicas de crianças flamengas do século XVI.
Balançar, subir em árvores, nadar, brincar de bonecas, de botão, perna-de-pau, boliche, enfim, contemplando esta imagem, penso que é extremamente apropriado, ponderar sobre o imenso valor que o brinquedo exerce na vida infantil.


Através deles, a criança exercita a imaginação e a criatividade, adquire a sociabilidade, experimenta sensações, desenvolve a coordenação motora, estimula a sensibilidade visual e auditiva, dentre outros valiosos aspectos. Na verdade, brincar significa treinar, ou seja, treinar experiências de ser e estar no mundo...

Mas, quais são os brinquedos adequados para nossas crianças?

Devido ao processo de industrialização, os brinquedos tornaram-se sofisticados, frágeis, diversificados quanto a materiais e texturas, perdendo o vínculo com a simplicidade e com o seu devido valor, que significa promover o desenvolvimento corporal, afetivo, criativo e social. Podemos afirmar que os brinquedos modernos não encantam mais as crianças, pois a maioria deles são artificiais (brinquedos de plástico, borracha, alumínio), grotescos, anti-estéticos, elétricos, mecanizados, alguns reproduzem armas de guerra, e monstros humanizados. De certa forma, o brinquedo tornou-se uma mercadoria comum, objetivando apenas atingir o consumidor infantil. Eles na maioria das vezes são elaborados por adultos que ignoram o desenvolvimento infantil, e que pensam somente em lucrar com seus produtos.

As crianças que brincam com estes brinquedos acabam perdendo a sua sensibilidade, sua imaginação e fantasia e como conseqüência disso, elas tornam-se desvitalizadas, agressivas e improdutivas.

Muitas pessoas acreditam que o brinquedo industrializado é capaz de beneficiar a criança, mas como isso pode ser verdade, se eles são objetos ilusórios, mortos, (diga-se de passagem) que não exercitam a sua criatividade e imaginação?

Segundo Rudolf Steiner, fundador da Antroposofia, um brinquedo saudável é aquele que permite à criança desenvolver a sua fantasia, “ele deve ser um incentivo e não um produto acabado”, ao contrário dos brinquedos “modernos” que já são prontos e não interagem com a criança.

Para Lanz, (2002) “todo brinquedo deveria ser robusto: é por essa solidez que a criança adquire confiança no mundo dos adultos; só se recomendam os feitos de material natural (madeira, pano, pedra, metal)”. Nesse sentido, são sugeridos brinquedos que respeitam a faixa etária das crianças e que são muito simples e fáceis de se transformar com a imaginação delas, como: bonecas de pano, feltro e lã, blocos de madeira, pedras, sementes, conchas, tecidos de algodão, animais de barro, madeira ou pano, dentre outros. Estes são materiais vivos, existem na natureza, além de proporcionar o verdadeiro significado da vida. Afirma, Renate K. Ignácio (1996), que “tudo que vem da natureza cresceu num movimento, num gesto. O galho de uma árvore, a conchinha do mar, um pedaço de bambu ou mesmo uma pedrinha mostram em sua forma o respirar da natureza. A criança que brinca com estes elementos e imita-os sente-se fortalecida interiormente, pois este processo está ocorrendo em seu interior”.

Outros educadores também discutem sobre a importância do assunto, como Tizuko Kishimoto (2000): “a utilização de elementos naturais para a confecção de brinquedos é prática universal de quase todos os povos antigos e até hoje, podem ser vistos em vários países, inclusive na África onde as crianças confeccionam seus próprios brinquedos”.

Existem no Brasil, várias empresas que fabricam estes tipos de brinquedos e apóiam esta iniciativa, onde estes brinquedos são minuciosamente confeccionados com respeito e qualidade. Entende-se que educar deve estar sempre dentro de uma totalidade, interagindo todas as dimensões (física, emocional, cognitiva e espiritual), onde se incluem, dentre várias possibilidades, o diálogo, as brincadeiras, e os brinquedos adequados que permitem a eles participarem da vida de forma espontânea e criativa.

Concluo, perguntando de que materiais são feitos os brinquedos que circundam nossas crianças? Eles trazem calor, aconchego, carinho aos nossos olhos? Ou trazem artificialidade e muitos estímulos sensórios?

Pais e professores repensem seus conceitos sobre uma educação mais humana e respeitem as suas crianças, oferecendo-lhes brinquedos sadios e simples, capazes de estimularem a sua criatividade e autonomia. E mais, ensinem a eles como fazerem os seus próprios, certamente estarão estimulando as forças criadoras da fantasia, pois delas depende o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas no futuro.

“A força da imaginação criadora só se mobilizará se a criança for respeitada em suas necessidades reais, entre os quais se inclui o brincar e o ouvir histórias. Para ela, a atividade lúdica relaciona-se com objetos ou brinquedos que, não muito elaborados ou definidos, lhes ofereçam a possibilidade de imaginar”. -

Suely P. Passerini
Pedagoga e Psicopedagoga
Formação em Pedagogia Waldorf, Arte-Educação e Socioterapia

Nenhum comentário:

Postar um comentário