terça-feira, agosto 30

Roda de Histórias

Abrem-se as cortinas do passado. O cenário inclui um fogão à lenha, onde o fogo bruxuleia e aquece. Um lampião ilumina a cozinha, projetando na parede sombras de figuras humanas e de objetos.


Uma mulher sentada ao lado do fogão, cabelos brancos presos à nuca, um longo e sóbrio vestido. Pousado em seu colo, o tricô. Um gato enroscado diante do fogo. Uma criança embevecida, olhosarregalados, expressão de encantamento, ouve a vovozinha narrando: “Era uma vez...” ou “...e viveram felizes para sempre”.

Sueli Passerini

Começo o ano de 2008, meditando sobre algumas imagens dos povos antigos que cultivavam sabiamente a arte de contar histórias. Imagino que eles acendiam lamparinas e ao redor de uma mesa, reuniam-se para celebrar a magia e o encantamento delas...

Por esse motivo, releio um belíssimo livro de Joseph Jacobs, folclorista inglês, onde encontro inúmeras histórias de amor, heroísmo, humor, extraídos da tradição oral dos povos celtas.

Gosto imensamente de saborear histórias, nutrir minha alma com a essência delas, e aprecio também lê-las para mim mesma desde criança, de preferência antes de dormir, pois pensava que desta forma, estaria protegida pelos reis, príncipes, fadas e outros seres encantados.

A palavra FADA deriva-se do latim FATUM e significa destino, oráculo, fatalidade... Provando essa origem comum, as fadas de todas as nações européias são nomeadas com termos que provém da mesma origem: fada em português, fee em francês, fairy em inglês, feen em alemão. Assim, os Contos de Fada revelam os contos do destino e da vida. Desde sempre, o homem vem sendo seduzido pelas narrativas que, de maneira simbólica ou realista, direta ou indiretamente, falam-lhe da vida a ser vivida ou da própria condição humana, seja relacionada aos deuses, seja limitada aos próprios homens. Segundo Philippini (1992), “os contos de fada representam uma das expressões mais significativas dessa ânsia permanente de saber e ter domínio sobre a vida, que caracteriza o homem de todas as épocas. Contos de Fada, Fábulas, Mitos, Lendas, Sagas compõem o imaginário oriundo do inconsciente coletivo, desde a Antiguidade e mescladas e transformadas, espalharam-se por toda parte e permanecem até hoje como uma rede cobrindo todas as regiões do globo”.

Pelo fato das histórias referirem-se ao processo de individuação e de expressarem experiências inerentes ao desenvolvimento humano, considero ser de fundamental importância para nós, educadores e terapeutas, estarmos constantemente imbuídos da atmosfera onírica contida nas histórias. Para Passerini (1998), “a vivência de contos, mitos e outros tipos de narrações é conteúdo indispensável para a psique. A força dos arquétipos não está na lógica da razão que dominamos, e sim no colorido e riqueza da própria imagem, em sua energia, dramaticidade, versatilidade, capacidade de desenvolvimento e em seu poder de mobilizar nossa própria energia interior”.

Obviamente que a Educação e a Psicopedagogia, devem incluir o trabalho terapêutico de contar histórias para seus alunos e pacientes, pois elas proporcionam alimentos vitais para o desenvolvimento da identidade da criança. Como recurso psicopedagógico, as histórias abrem espaços para a alegria e o prazer de ler, compreender, interpretar a si próprio e a realidade. Nas escolas Waldorf, contam-se histórias desde a época do Jardim-de-Infância, até a puberdade, na forma de biografias de homens célebres na História, Ciência e Artes. Na medicina hindu, os médicos “receitavam”, contos de fadas para crianças doentes, e para os adultos, um conto específico associado aos problemas do paciente, era oferecido para meditação como possibilidade de resolução.

No entanto, o educador e todos aqueles que são “cuidadores”, também necessitam vivenciar o mundo das imagens consigo mesmos, aperfeiçoando a percepção pessoal, permeando o seu próprio mundo de imaginação e fantasia, para então atuar de maneira fluída e verdadeira, com as crianças e jovens. Na verdade, as rodas de histórias creio eu, alimentavam inconscientemente a alma dos povos antigos, e até os dias atuais, nos alimentam e nos renovam internamente, (mesmo que não mais nos reunimos em rodas) tornando-nos seres humanos que dão significado e valor à vida. Elas podem auxiliar a ampliação da consciência dos educadores, promovendo a transformação e a cura genuína. Elas podem favorecer a educação da alma, que atualmente carece tanto de saúde, harmonia e criatividade.

Semeie histórias...

Plante histórias...

Acenda uma vela.

Cultive e celebre a vida numa linda roda de histórias...

[...] não precisamos correr sozinhos o risco da aventura, pois os heróis de todos os tempos a enfrentaram antes de nós. O labirinto é conhecido em toda a sua extensão. Temos apenas que seguir a trilha do herói, e lá, onde temíamos encontrar algo abominável, encontraremos um deus. E lá, onde esperávamos viajar para longe, iremos ter ao centro da nossa própria existência. E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia de mundo todo.

Joseph Campbell

Escrito por Lílian de Almeida P. B. Sá
Pedagoga e Psicopedagoga

Formação em Pedagogia Waldorf, Arte-Educação e Socioterapia

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