quinta-feira, abril 30

Rudolf Steiner e a Antroposofia


Nascida como uma dissidência da Sociedade Teosófica, a Antroposofia, fundada por Rudolf Steiner em 1913, espalhou-se pelo mundo com uma visão das mais interessantes a respeito da missão do ser humano no planeta, com resultados práticos como o desenvolvimento da Pedagogia Waldorf.


No site da Sociedade Antroposófica no Brasil existe uma passagem interessante que diz o que a Antroposofia “não é”. Assim, ela não é um “movimento ou edifício místico de idéias”. A Antroposofia entende que o misticismo é baseado essencialmente em sentimentos e na transmissão de conhecimentos em forma de imagens e metáforas, enquanto a Antroposofia é transmitida ao pensamento consciente sob forma de conceitos.

Portanto, também não é uma religião, pois não tem cultos; é cultivada individualmente ou em grupos de estudo abertos, além das instituições. Não emprega mediunismo. Ela fala sobre o desenvolvimento e o uso de órgãos de percepção supra-sensível, que deve ser feito em plena consciência, em estado de vigília. Também não é sexista, racista ou nacionalista. Nossa missão na presente Terra é a evolução da essência de cada ser humano, o “Eu Superior”, que não tem sexo, raça, religião ou nacionalidade.

Também não é moralista, de modo que não existem normas de conduta para os que adotam a Antroposofia como princípio de vida. Não é dogmática; o próprio Rudolf Steiner, o fundador da Antroposofia, se referiu ao fato de que não se deveria acreditar naquilo que ele expôs, mas sim tomar como hipótese de trabalho à espera de comprovação pessoal. Da mesma forma, a Antroposofia deve acompanhar a evolução da humanidade.
Não é uma seita, e não é secreta, uma vez que tudo está publicado e os grupos de estudo podem ser freqüentados por qualquer pessoa. Não é uma sociedade fechada, pois qualquer um pode se tornar membro.

Então, o que é a Antroposofia? O termo vem do grego, significando “conhecimento do ser humano”, e está diretamente ligada às atividades do austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), que por algum tempo esteve ligado à Sociedade Teosófica. A definição diz que se trata de um método de conhecimento da natureza, do ser humano e do universo que amplia o conhecimento obtido pelo método científico convencional, bem como trata da aplicação desse conhecimento em praticamente todas as áreas da vida humana.

Rudolf Steiner utilizava a palavra "oculto", mas com um sentido diferente do que é geralmente usado hoje em dia. Para ele, o oculto era aquilo que não estava acessível aos nossos sentidos físicos, considerando os cinco sentidos. Segundo Valdemar W. Setzer – responsável pelos textos do site e estudioso da Antroposofia desde 1961, e membro desde 1971 – com os sentidos conhecidos não é possível observar certas atividades interiores do ser humano, como a volição, os sentimentos e os pensamentos. Ninguém nunca viu nossos impulsos de vontade, nossos sentimentos e pensamentos. Aparelhos como o da ressonância magnética, por exemplo, podem detectar alguma reação física do organismo àquelas atividades, que Steiner chamava de atividades anímicas –, mas não estará detectando as próprias atividades. Portanto, nossos sentimentos são ocultos, no sentido que Steiner quis dar à palavra. Da mesma forma, explica Setzer, aquilo que dá vida a um ser vivo é oculto, ou seja, podemos perceber sua manifestação através do próprio ser, mas a "força" que é a essência da vida não é perceptível aos nossos sentidos físicos.

Assim, diz-se que uma contribuição fundamental de Steiner foi chamar a atenção para o fato de que esse "oculto" pode ser investigado com a mesma clareza com que se investigam os fenômenos físicos, ainda que essa investigação seja realizada com outros métodos e com outros órgãos de percepção, que também são "ocultos".
São fornecidos 10 itens que distinguem a Antroposofia de outros conjuntos de idéias, filosofias e práticas. Um é a abrangência; a Antroposofia cobre toda a vida humana e a natureza, podendo ser aplicada em todas as áreas da vida. Uma realização prática é a Pedagogia Waldorf, existente desde 1919, e hoje aplicada em mais de 800 escolas no mundo, 13 delas no Brasil. Ela também é apresentada sob forme de conceitos que se dirigem à capacidade de pensar e à sede de conhecimento e compreensão do ser humano.
Outro aspecto, ligado ao espiritualismo, é que seu método propicia se chegar-se ao fato de que o universo não é constituído apenas de matéria e energia física, mas descobre um mundo espiritual estruturado de maneira complexa em vários níveis. Por exemplo, a Antroposofia diz que os seres humanos têm um nível de "substância" espiritual, não-física, mais complexa do que a das plantas e dos animais, e também descreve seres puramente espirituais, sem expressão física, e que atuam em diferentes níveis de espiritualidade. Entende que alguns desses seres estão em níveis acima dos níveis da constituição humana, mas ainda assim são compreensíveis por meio de uma observação direta "supra-sensorial". Dessa forma, diz que a substância física é uma condensação da "substância" espiritual, não-física, e para ela não existe o paradoxo do espírito atuar na matéria, uma vez que o espírito é a origem de tudo.

A Antroposofia também parte da compreensão do ser humano, para que ele entenda não apenas a si próprio, mas todo o universo. Fala a respeito do desenvolvimento de órgãos de percepção supra-sensorial, demonstrando que o mundo espiritual pode ser observado com tanta ou maior clareza que o mundo físico. Para isso é necessário que se desenvolvam individualmente órgãos de percepção que estão latentes em todos os seres humanos. Por exemplo, o que se chama de intuição, para a Antroposofia já é uma percepção espiritual, ainda que não consciente e seu autocontrole. Para o desenvolvimento dessa capacidade, indica exercícios de meditação individual baseados na atividade do pensamento consciente, que deve conservar sua clareza, ser totalmente controlado e ser desenvolvido a ponto de não depender de conceitos e imagens provenientes do mundo físico.

A Antroposofia afirma que quatro características humanas devem ser preservadas e desenvolvidas de forma radical: o desenvolvimento da consciência, da autoconsciência, da individualidade e da liberdade. Apresenta uma cosmovisão aberta, ou seja, não há nada de secreto na Antroposofia. No aspecto da perspectiva histórica, o pensamento antroposófico afirma que se pode compreender conceitualmente muito do que foi transmitido na Antigüidade através de imagens como as dos mitos antigos, assim como relatos do Antigo e Novo Testamentos. Essa compreensão resgata a continuidade histórica, mostrando como o ser humano atual é a conseqüência de uma linha de acontecimentos espirituais e físicos desde os primórdios do universo.

A Antroposofia apresenta indicações de como ampliar a pesquisa científica e torná-la mais humana, mais coerente com a natureza, sendo uma evolução do método científico estabelecido por Goethe. E, finalmente, a Antroposofia recomenda um desenvolvimento moral que deve ser feito pessoalmente, fundamentado no conhecimento da essência do ser humano e do universo. Assim, a missão do ser humano na presente Terra é o desenvolvimento moral baseado no amor altruísta, e essas atitudes morais devem preservar a liberdade individual, ou seja, não devem ser baseadas em imposições exteriores, mandamentos, dogmas e leis, mas irradiar do amor e do conhecimento individuais em plena liberdade.

Rudolf Steiner nasceu em Kraljevec, na fronteira austro-húngara. Formou-se engenheiro na Escole Politécnica de Viena e obteve seu doutorado em Filosofia na Universidade de Rostock, na Alemanha. Logo após a formatura, foi convidado a integrar a equipe que estava produzindo uma edição das obras de Goethe, em Weimar, cabendo a ele editar as obras científicas.

Sua tese de doutorado, Verdade e Ciência, trata da essência do pensar, e posteriormente por expandida na obra filosófica que ele considerava a mais fundamental, A Filosofia da Liberdade, publicada no Brasil pela Editora Antroposófica. Após o período que passou em Weimar, foi para Berlim e trabalho como redator numa revista de literatura e deu aulas de História e Filosofia numa faculdade aberta para operários, até que entrou em choque com a concepção marxista dos diretores.

Foi em Berlim, freqüentando os círculos literários, que entrou em contato com o movimento teosófico. Segundo disse em sua biografia, foi o único grupo que estava interessado em ouvir o que ele tinha a contar sobre suas pesquisas do mundo espiritual, que vinha realizando há anos. Assim, no começo do século Steiner teve uma carreira como conferencista, expondo suas idéias esotéricas. Tornou-se Secretário-Geral da Sociedade Teosófica na Alemanha, mas entrou em choque com os dirigentes da sociedade, que estavam seguindo uma corrente orientalista e declaravam o jovem hindu Krishnamurti como o novo messias.

A discordância levou à sua separação da Sociedade Teosófica, em 1913, seguido por vários membros, formando-se assim a primeira Sociedade Antroposófica, com sede em Dornach, na Suíça. Construiu um prédio de madeira que foi chamado de Goetheanum, considerado uma verdadeira obra de arte. Steiner ainda introduziu, nos congressos do movimento teosófico, atividades e apresentações artísticas, que passaram a ser parte essencial do movimento.

Em 1919, Emil Molt, diretor da fábrica de cigarros Waldorf-Astoria, pediu que Steiner organizasse uma escola baseada em sua cosmovisão do ser humano; a escola logo se tornou independente e foi a origem da Pedagogia Waldorf, que se espalhou pelo mundo. No mesmo ano – percebendo que a Primeira Guerra Mundial tinha sido fruto de concepções sociais absolutamente incoerente com a constituição do homem moderno – escreveu o livro Os Pontos Centrais da Questão Social, proferindo dezenas de palestras sobre uma nova organização social que ele chamou de A Trimembração do Organismo Social. Essa organização é aplicada hoje em dia na organização de empresas e foi a base do que veio a se chamar de Pedagogia Social.

Posteriormente, a Sociedade Antroposófica e as Escolas Waldorf foram fechadas pelos nazistas. Os livros de Steiner foram queimados, e ele mesmo sofreu um atentado, em Munique, de modo que todo o movimento se transferiu para a Suíça. A Antroposofia também foi proibida na União Soviética e no leste europeu até a abertura de 1989.

Outra das aplicações práticas da Antroposofia que obteve imenso sucesso foi a idéia de se utilizar as atividades artísticas como terapia. A atividade começou na primeira clínica antroposófica, fundada em 1921 pela dra. Ita Wegman e posteriormente desenvolvida pelos que deram continuidade às atividades.
Paralelamente à medicina, também ocorreu um desenvolvimento de uma farmacêutica antroposófica, produzida principalmente pelos laboratórios Weleda e Wala, o primeiro deles presente no Brasil.

Já em 1912, nos congressos da Sociedade Teosófica, Steiner introduziu duas novas formas artísticas: a arte da fala e a euritmia. Esta última é uma expressão corporal que tenta mostrar, em gestos, a essência profunda dos sons falados ou musicais, e é usada de três formas: artística, terapêutica e educacional.

Em 1924, após ter sido convidado a proferir uma série de palestras sobre agricultura, Steiner deu início ao que redundou no movimento chamado Agricultura Biodinâmica, um aperfeiçoamento da agricultura orgânica que leva em conta os ritmos cósmicos e a interação entre plantas, animais e seres humanos.

O Goetheanum foi vítima de um atentado na passagem do ano 1922 para 23, queimando inteiramente. Mas Steiner não perdeu tempo e começou os planos para a construção de um novo prédio, em concreto aparente, o que estabeleceu as bases da arquitetura antroposófica, na qual as edificações são tratadas como obras de arte funcionais que procuram se integrar nas características do meio ambiente. Uma das características que tornam a arquitetura antroposófica facilmente reconhecida é a quase ausência de ângulos retos, a não ser no contato com o solo. A idéia é a de que um ângulo reto não dá margem a quase nenhuma criatividade; mas se ele é evitado, o arquiteto tem de decidir qual ângulo usar, qual corresponde melhor à estática e funcionalidade.

Ainda em 1924, teve início a Pedagogia Curativa, outra aplicação prática da Antroposofia que surgiu de outra série de palestras de Steiner. Essas noções originaram o trabalho do dr. Karl König, na Escócia, com o Movimento Camphill, no qual se formam aldeias para deficientes, estimulando-se a sua auto-suficiência.
E, seu texto, Setzer ainda expõe que essas aplicações da Antroposofia devem sempre se basear na atuação de pessoas que abraçaram a visão antroposófica do ser humano e do mundo. Segundo explica, não há muito sentido em se aplicar certas técnicas terapêuticas ou pedagógicas sem que elas sejam inspiradas pela cosmovisão introduzida por Steiner. Assim, qualquer dessas aplicações, quando desligada da fonte original, tende a se desviar e se descaracterizar. Em outras palavras, não é possível separar da Antroposofia alguma técnica que tenha sido inspirada nela pois, se uma pessoa trabalha com uma determinada técnica, derivada dos ensinamentos de Steiner, e não concorda com sua cosmovisão, ela não deveria estar de acordo com a técnica em si.

Steiner disse que a Antroposofia deveria mudar com o tempo, o que seus continuadores vêm fazendo, ainda que se diga que não surgiu ninguém com a sua profundidade de visão e conhecimento.
- Por Gilberto Schoereder

Fonte: http://www.revistasextosentido.net/

Nenhum comentário:

Postar um comentário