Nossa mente está transbordando de informações e conceitos: como saber separar o que é nosso do que não é nosso, o que nos serve do que não nos serve? Nem sempre falamos o que sentimos, fazemos o que queremos. Muitas vezes buscamos nos alegrar com coisas que não nos trazem felicidade. Quantas decisões tomamos, achando que são as melhores e nos enganamos? Exemplos não faltam: escolhas profissionais impostas, ou veladamente impostas, que nos trazem insatisfação; casamentos frustrados baseados em crenças ditas verdadeiras; famílias destruídas por valores destorcidos. É preciso, pois, administrar nossa mente. “Perca a cabeça, chegue aos sentidos”. É uma das máximas de Perls. É como aquela historia budista que conta que o monge serviu chá ao seu jovem discípulo numa xícara até enchê-la – mas não parou! Continuou enchendo a xícara e o chá escorreu pelo pires, pela toalha, pelo chão. O discípulo espantado falou: ─ Mestre, a xícara está transbordando! O monge serenamente continua enchendo a xícara e diz ao jovem discípulo: ─ Assim como a xícara, estamos transbordando de pensamentos. Para aprender algo novo precisamos esvaziar primeiro nossa xícara.
Como esvaziar a xícara? Como parar esse processo insano? Estamos sempre pensando no que vamos fazer ou dizer a alguém. Temos conversas fantasiosas, embates, pensamentos negativos ou exaltados que norteiam nosso comportamento. A mente comanda você ou você comanda a mente?
Frederick S. Perls foi influenciado pelo pensamento oriental, especificamente o zen budismo, chegando a viver um período de tempo no Japão para entender melhor esse modo de vida, e assim algumas disciplinas orientais contribuíram para a configuração da gestalt-terapia. Expressões budistas como maya, koan, satori[2] fazem parte de seu vocabulário. A Gestalt-terapia e o zen budismo valorizam o momento presente. É só no agora que a vida é possível.
Gestalt-terapia e meditação se assemelham. Naranjo nos ensina que a prática da atenção plena do budismo diz respeito unicamente ao presente. Ficar no aqui e agora permite que o trabalho terapêutico seja conduzido de forma a clarear a conscientização. Passado e futuro são ilusão, fantasia, imaginação. Permanecer no agora é a pedra angular de algumas formas de meditação.
A experiência de arte auxilia a vivenciar o aqui e agora. Limpamos temporariamente nossa mente e vivemos o momento atual, expressando concretamente o vivido, seja desenho, pintura, dança, música, poesia ou qualquer tipo de expressão que potencialize a consciência, o eu mesmo.
O princípio do agora é o que está acontecendo neste exato momento. A emoção é atemporal, a experiência pode ter sido vivida no passado ou ser projetada em algo que ainda vai acontecer, mas a emoção em si só existe literalmente agora, no momento em que se sente. E é nesse momento de criação que a awareness é possível.
A palavra sânscrita que designa atenção plena, smriti, significa “lembrar-se”. A atenção plena consiste em lembrar-se constantemente de voltar ao momento presente (HANH, 2001). Manter-se no agora nos ajuda a perceber como nos impedimos, nos repetimos e nos boicotamos. O quanto temos de fantasia, muitas vezes catastróficas, que nos fazem infelizes, gerando medo, pânico, depressão, tédio e tantas outras doenças geradas pela falta de autoconhecimento? Fazemos jogos às vezes abertamente e na maioria das vezes escondidos. Quando pensamos, quase sempre conversamos com os outros em fantasia. Planejamos os papéis que queremos desempenhar (PERLS, 1977 p.57).
A mente precisa ser cuidada e nutrida. Bem nutrida. A arte e a criatividade restauram a saúde, quando somos absorvidos pelo ato da criação e a mente entra no vazio. Nesse processo, o vazio estéril torna-se fértil. Vazio fértil é mais um fundamento da Gestalt-terapia, tirado do pensamento oriental onde Perls nos fala que nada quer dizer “nada há” e quando nada há, existe alguma coisa. Estar vazio é estar aberto a novas possibilidades, começando com o que é.
Vivemos em constante interação com o meio. Chamamos de “ajustamento criativo” esses impulsos e motivações que nos levam a perceber o ambiente, elaborar a novidade, absorvendo ou rejeitando.
Awareness é um dos conceitos centrais da Gestalt-terapia. Uma palavra sem tradução para o português, mas que pode ser entendida como: tomada de consciência, uma percepção presentificada. “Awareness é uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato vigilante com o evento mais importante do campo indivíduo/ambiente, com total apoio sensoriomotor, emocional, cognitivo energético” (YONTEF, 1998, p. 215).
O processo criativo possibilita a expansão da consciência e, assim, ativando sensações e emoções, abre espaço para novas possibilidades, redescobrindo novos significados. “Para que um indivíduo evolua é necessário que haja espaço para a mudança, que haja interstícios nos quais se possam apoiar alavancas, espaços que acolham a novidade, as brechas e as falhas que permitam o movimento” (ROBINE, 2006 p.25).
Janie Rhyne, professora de arte e psicóloga, contemporânea de Perls, tornou-se sua aluna da nova abordagem que surgia e também sua paciente. Aderiu a gestalterapia como modo de vida. Um modo de se perceber a si e ao outro. Conduzia workshops onde aplicava seus conhecimentos de arte com o enfoque gestáltico. Foi precursora da arte gestalt. Ela nos diz que “crianças saudáveis são naturalmente gestaltistas – vivem no presente: dão completa atenção ao que estão fazendo; fazem o que querem fazer; confiam nos dados de sua própria experiência; e, até que sejam ensinadas, em contrário, sabem o que sabem com simplicidade direta e exatidão” (RHYNE, 1996, p.37).
Precisamos buscar essa criança saudável dentro de nós. A arte nos permite isso mais facilmente, nos deixando levar pelo viver o momento, pela intuição. A criação nos ajuda nesse processo, nos levando a dar formas a sentimentos, sensações e memórias, experimentando a própria vida.
A arte gestalt é um processo de integração, ver e se perceber criador possibilita a awareness, a percepção atualizada, levando-nos à transformação e ao crescimento.
Como Ciornai destaca, É importante adicionar o potente recurso focalizador que a atividade artística proporciona. O instante da atividade artística, como um estado alterado de consciência, ajuda a pessoa a focalizar seu mundo interno, adentrando um canal mais intuitivo e mágico, onde nos surpreendemos com nossas próprias imagens e com os significados que nelas encontramos (CIORNAI, 2004, p.80).
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