segunda-feira, junho 17

INTRODUÇÃO À PRÁTICA MEDITATIVA

A palavra meditação vem dolatim,meditare, que significa estar no meio, voltar-se para o centro, no sentido de desligar-se do mundo exterior e voltar a atenção para dentro de si.
A prática meditativa pode assumir diferentes contornos e nuances conforme a tradição cultural e espiritual da qual provenha ou na qual esteja inserida.
Poderíamos agrupar várias dessas práticas de acordo com seu caráter e finalidade. Assim podemos falar, por exemplo, de meditação para fins higiênicos; meditação religiosa; ou meditação para o autodesenvolvimento.
Mas o que significa meditar de um ponto de vista antroposófico? Ou o que queria dizer Steiner quando se referia à meditação?
No sentido da ciência espiritual, a meditação constitui um meio para elevar-nos gradativamente da habitual consciência diurna de vigília a um estado de consciência supra-sensível. Em suas formas mais simples, ela consiste em entregar-se a representações mentais bem determinadas  as quais, por sua essência, exercem uma força despertadora sobre certas capacidades ocultas da alma. Tais representações mentais diferem daquelas que formamos habitualmente na consciência diurna desperta, cuja função é reproduzir objetos e fatos do mundo exterior.
As representações mentais a que nos dedicamos no ato meditativo são via de regra simbólicas, formadas pela própria energia anímica. Neste caso, o essencial não é o que é representado, mas sim que pelo modo de representação, pelo fato de ela não se basear na sensorialidade, mas ser forjada pela força interior, o anímico se liberta de qualquer dependência do físico.
No exercício meditativo, o que importa é muito menos o conteúdo, mas simplesmente o fato de a alma se concentrar o máximo possível na representação em questão, abstraindo-se inteiramente de tudo mais. Se na consciência comum nossos sentidos estão abertos captando inúmeras impressões e as representações mentais se alternam com rapidez, na disciplina espiritual se trata de concentrar-se numa representação única, colocada por livre-arbítrio no centro da consciência, formada pela própria energia anímica e durante o maior tempo possível.
Resumindo, na meditação lidamos com a imersão da alma numa representação mental que não seja a reprodução de algo percebido pelos sentidos, à qual nos dedicamos a partir da livre vontade, por um dado período de tempo.
 “O que importa é reunirmos todo o nosso ser anímico a fim de concentrar sobre o conteúdo tudo o que está em nós como força mental, como força sentimental. Da mesma maneira como os músculos do braço ficarão fortes se trabalharmos com eles, as forças anímicas se fortificarão ao serem dirigidas repetidamente a um conteúdo. Se possível, tal conteúdo deveria permanecer o mesmo por um bom tempo. (...) se a pessoa continuar a se exercitar dessa maneira, chegará o dia – o grande dia, diria eu – em que encontrar-se á numa atividade anímica totalmente independente do corpo físico.”( Rudolf Steiner -Oxford , 20/08/1922)
Exemplo:
1)Meditação da RosaCruz (ver descrição no livro Ciência Oculta – capítulo sobre  os Conhecimentos Superiores)
2) Exercícios Meditativos com o Calendário da Alma
[Do prefácio à segunda edição de 1918
O decorrer do ano tem sua vida própria, e a alma humana pode senti-la em si mesma. Se ela se deixar atingir por essa vida que se manifesta de maneira tão diferente semana após semana, poderá encontrar a si mesma de modo correto. Sentirá o despertar de forças íntimas que a enchem de energia. Perceberá que forças interiores que querem despertar possibilitam a participação da alma no desenrolar da vida do universo. Ela constatará, assim, os laços delicados, mas significativos que existem entre ela e o mundo ao qual pertence.
O Calendário da Alma contém uma estrofe por semana. A alma pode viver assim o que cada semana lhe dá e que constitui uma parte do decorrer do ano. Chegar a um sentimento saudável de “se sentir uno”com a vida da Natureza e, dessa maneira alcançar uma forte experiência de “encontrar a si mesmo”, este é o objetivo do Calendário. Acreditamos que uma participação no decorrer da vida do Universo, tal como está expresso nas estrofes que se seguem, é algo que a alma aspira, por menos que compreenda a si mesma.] Rudolf Steiner
Em ambos os casos  o efeito depende de que antes de empregarmos tal conteúdo na interiorização, possamos prepará-lo mediante uma elaboração na própria alma, sem a qual ele permanecerá frio e muito menos eficaz do que se houvesse recebido a força iluminadora do próprio íntimo. Ao movimentarmos na alma o conteúdo através da percepção de certas relações ou dinâmicas  existentes no caso dos versos ( polarização, intensificação, etc), ou percorrendo certos pensamentos que imprimem um significado e intencionalidade, como no caso da representação smbólica, eles se aquecem, são vivificados. Contudo, durante a interiorização já não evocamos todos os pensamentos e relações preparatórios. Apenas deixamos vibrar aquela sensação ou sentimento suscitado por esta preparação.  Frequentemente, se realizamos adequadamente esta preparação, somos permeados de um senso de reverência e devoção que nos enleva. Assim o símbolo torna-se um signo, um sinal ao lado da vivência da sensação, e é na demora da alma nessa vivência que reside o aspecto atuante. Quanto mais ela se demore nisso sem que outra representação mental perturbadora venha se imiscuir, mais eficaz será todo o processo.
Na disciplina espiritual podem-se empregar as mais variadas imagens, bem como certas frases, palavras isoladas, e mesmo a interiorização e aprofundamento em certos sentimentos, como no caso do caminho místico-cristão ( vide evangelho segundo João , de Steiner, no capítulo 14 – GA 112).
Em todos estes casos a meta é liberar a alma da percepção sensorial e estimulá-la a uma atividade em que a impressão sobre os sentidos seja insignificante e o desabrochar de suas faculdades latentes seja o essencial.
Quanto à duração do aprofundamento, deve-se ter em conta que o efeito é tanto mais intenso quanto mais tranquilo e deliberado ele possa ser. Geralmente muito tempo é necessário antes que se possa perceber o resultado de tais exercícios. Duas condições são fundamentais nesse caminho, além da calma interior: a paciência e a perseverança.
E o resultado é que a prática deste aprofundamento interior nos conduz ao primeiro grau do conhecimento superior, chamado por Steiner de conhecimento imaginativo ou Imaginação. O conhecimento baseado no que os sentidos percebem e o intelecto elabora pode ser chamado de conhecimento objetivo, pois ele se apóia na percepção objetiva do mundo exterior e na leitura interna que fazemos do mesmo. O conhecimento imaginativo deve ser concebido como fruto de um estado de consciência supra-sensível da alma, em que se percebem fatos e seres espirituais aos quais os sentidos comuns não têm acesso. Como esse estado é despertado na alma através do aprofundamento em símbolos, imagens ou imaginações, a esfera deste estado superior de consciência pode ser chamado de imaginativo. Neste sentido, portanto, imaginativo significa, não um produto do imaginário ou da fantasia, mas algo que é real de uma forma diferente do que são os fatos e entidades percebidos físico-sensorialmente.
Contudo, antes de podermos nos ocupar com exercícios específicos devemos considerar as disposições de alma fundamentais que devem constituir  como que um envoltório, o cálice no qual depositamos o conteúdo meditativo.
A prática da meditação requer silêncio e calma interior. Reservar momentos de calma para uma interiorização ou para uma prática contemplativa pode parecer simples, mas revela-se algo bem difícil nos dias de hoje. Vivemos num mundo que constantemente nos leva à dispersão, onde tudo sucede numa velocidade alucinante, em que demandas mil nos absorvem a atenção e a vitalidade. Determinar-se um tempo  para isso já é em si um ato de vigorosa vontade, difícil de ser mantido num ritmo regular. Mas quanto mais convictos da importância disto, mais motivados. E aos poucos vamos nos sentindo revigorados e serenos diante dos desafios, de fato, melhor instrumentados para encontrá-los e fazer deles oportunidades de crescimento.
Tempo e lugar são importantes, mas não suficientes. Para que a meditação possa dar frutos sadios ela necessita de um fundamento moral apropriado. A primeira disposição anímica fundamental neste sentido é a da devoção – a trilha da veneração e da humildade. A devoção diante da verdade e do conhecimento. “Se não desenvolvermos em nós o profundo sentimento de que existe algo superior ao que somos, não acharemos forças para atingir um grau mais elevado. A elevação do espírito só pode ser alcançada quando se atravessa o portal da humildade. Você só poderá alcançar um correto saber quando houver aprendido a respeitá-lo (...) e cada sentimento de verdadeira devoção desenvolvido na alma promove uma força que conduzirá – cedo ou tarde – ao conhecimento”.
Em nossa época e civilização “tende-se mais à crítica, a julgamentos e condenações,e pouco à devoção e à veneração abnegada. Mas cada crítica, cada julgamento reprovável expulsa da alma as forças para o conhecimento superior tanto quanto as devolve cada ato de veneração abnegada”.
(...) Os ideais são degradados numa época crítica. Outros sentimentos tomam lugar da devoção , do respeito, da adoração e da admiração. Nossa época faz recuar cada vez mais esses sentimentos, mas se quisermos avançar no caminho espiritual teremos de educar-nos para o desenvolvimento da disposição devocional. Teremos de procurar em nossas vivências o que possa causar admiração e respeito. Se ao encontrar alguém, meu foco for a censura às suas fraquezas e limitações, privar-me-ei de forças para a cognição superior. Mas se tentar, amorosamente, aprofundar-me em suas boas qualidades estarei acumulando tal força. “Como o sol vivifica com seus raios tudo o que tem vida, assim a veneração vivifica todas as sensações da alma no caso do discípulo”.
A pergunta é então, como podemos cultivar essas atitudes? E como podemos criar em nós um estado tal que nos faça transpor este portal da humildade  e nos leve ao encontro desta trilha da veneração? Muitas vezes a contemplação da natureza nos incita em seu esplendor a este ânimo de reverência. Evocar a imagem de um nascer do sol, ou do céu estrelado, ou de uma rocha majestosa pode ajudar-nos a susictar este estado de alma. Também desvendar o sentido simbólico de uma imaginação ou de palavras mântricas enleva-nos pela beleza e o sentido oculto que nele encontramos. Todo momento de  prática meditativa deveria se iniciar pela passagem pelo portal da humildade e pelo encontro do caminho da reverência.
Muito frequentemente, porém, ao nos retirarmos da atividade exterior para nos dedicarmos a um exercício meditativo, imiscuem-se pensamentos, ou comentários e juízos em nosso diálogo interno, lembranças do que ainda temos de fazer ou cumprir, preocupações com algo que não se passou de forma harmoniosa, etc. Parece que estamos diante de uma poluição mental --tanto sonora quanto visual interna. O silêncio e a calma interior precisam primeiro ser conquistados. E talvez tenhamos de começar pela prática de exercícios de higiene interior que confiram ao ambiente íntimo da alma uma certa quietude e serenidade.
A esse respeito Steiner nos dá um primeiro exercício de observação de algo que nos tenha sucedido como se fôssemos um expectador, uma terceira pessoa, de sorte que tal perspectiva nos ajude a olhar para o fato ocorrido com isenção de ânimo e sem um julgamento.
A título de ilustração sugerimos uma adaptação deste exercício, tal como apresentado por Arthur Zajonc em seu livro sobre “Meditação como indagação contemplativa”, do qual extraímos o seguinte fragmento.

O TRABALHO INTERIOR NA CONQUISTA DA EQUANIMIDADE

Durante seus anos de trabalho em favor dos negros americanos, Martin Luther King defendia incessantemente a ação não-violenta como um meio de chamar a atenção para a opressão de negros, especialmente no Sul. Ele recebeu muitas ameaças e sofreu muitos atentados em sua vida. Numa ocasião, sua casa em Montgomery, Alabama, foi alvo de uma bomba enquanto ele participava de um encontro na Igreja. O alpendre e a fachada da casa foram gravemente danificados. Sua esposa Coretta e a filha Yoki estavam nos fundos da casa naquele momento, e nenhuma delas foi ferida. No instante em que King chegou, uma agitada multidão de centenas de vizinhos negros estava reunida, prnta para retaliar contra a polícia ali presente. Seu bem-amado líder e sua família haviam sido atacados. Ante a forte possibilidade de um tumulto racial, a polícia perguntou a King se ele falaria à multidão. King saiu do que restara de seu alpendre, elevou suas mãos e todo mundo ficou quieto. Ele disse:
“Nós acreditamos na lei e na ordem. Não façam absolutamente nada movidos pelo pânico ou pelo ódio. Não peguem suas armas. Aquele que vive pela espada perecerá pela espada. Lembrem-se: foi o que Deus disse. Nós não estamos defendendo a violência. Nós queremos amar nossos inimigos. Eu quero que vocês amem seus inimigos. Sejam bons para eles. Amem-nos e façam-nos saber que vocês os amam. Eu não iniciei esse boicote. Eu fui solicitado por vocês a ser o seu porta-voz. Quero que se saiba de norte a sul e de leste a oeste deste país que, se eu for detido, este movimento não se deterá. Se eu for detido, nossa obra não se deterá. Poruqe o que estamos fazendo é correto. O que estamos fazendo é justo. E Deus está conosco.”
Quando Martin terminou, todo mundo foi para casa sem violência, dizendo “Assim seja”e “Deus te abençoe”. Havia lágrimas em muitas faces. Seguramente King havia experimentado o mesmo sentimento de raiva pelo atentado à sua família; mas também era capaz de encontrar em si mesmo um lugar a partir do qual pudesse falar e agir, respondendo ao ódio com amor.
Em nossas próprias vidas, nós experimentamos afrontas similares, proporcionalmente menores, mas que também podem conduzir a longos períodos de cisma rancorosa e agitação interna além de tensão nas relações.
O exercício contemplativo que queremos propor começa por selecionarmos de nossa experiência passada, recente ou remota, uma ocasião em que uma emoção perturbadora tenha se apresentado: raiva, inveja, mágoa, etc. Então, depois de nos aquietarmos, buscamos a recordação da cena ou experiência selecionada. Permita que as emoções negativas associadas emerjam outra vez. Sinta sua força, ponha nelas sua atenção. Somente reconhecendo estes sentimentos é que podemos praticar superá-los e  assim, aprender a manter a situação sob nova luz. Então procure dentro de si próprio uma base mais elevada, um lugar do qual possa observar interiormente a si mesmo e a toda a situação. Abarque em seu campo de atenção as partes conflitantes do drama e assuma seu lugar como uma testemunha. Encontre seu caminho que vai da mentalidade da multidão para o Marthin Luther King que há em você. De seu novo ponto de vista continue a observar a dinâmica interior que está em jogo na situação.
Ficar sujeito à oscilação das emoções negativas é ser cegado. Neste estado, não conseguimos julgar as forças em jogo ou intuir o correto caminho adiante. Mas se de uma outra perspectiva observamos com isenção de ânimo, podemos reconhecer a história por trás da ocorrência e a possibilidade que reside além da mesma. Podemos discernir os fatores que conduziram ao (des)encontro e às emoções negativas. Não se trata de psicanalisar a si mesmo ou ao outro, mas de apreciar empatica e objetivamente a complexidade e as múltiplas dimensões do drama que se está desenrolando. Não é uma questão de certo ou errado, mas de entendimento compassivo. E quando chegamos a este entendimento, quando falamos e agimos deste lugar dentro de nós, somos mais capazes de  dispersar a turba enraivecida e responder ao ódio com amor.
Ao praticarmos encontrar um relacionamento correto com os pensamentos e sentimentos perturbadores que ocupam nossa vida interior, nós aprendemos a formar julgamentos e hábitos mentais que nos beneficiam na vida diária. A reação indignada que normalmente saltaria de nossos lábios, ou a violência que poderíamos desfechar contra nosso interlocutor é contida abruptamente. Nós viemos a conhecer bem a dinâmica perturbadora por tê-la exercitado interiormente, e agora a versão do mundo real não nos encontra mais sem guarda e nem desatentos. E começa a acontecer  que muito depois de o exercício ter terminado, seus frutos continuam a aparecer. O simples ato de parar para refletir ( contemplar, ponderar), e depois manter uma atenção – gentil e firmemente – nessas dimensões esquecidas do mundo e de nossas vidas é um serviço que prestamos a nós mesmos e aos outros. Você não para a fim de ouvir a criança que você ama, mesmo estando ocupado? Acaso não pode parar a fim de cultivar este silêncio interior que é o verdadeiro lugar de começar?
Ao velejarmos em alto mar  e sermos atingidos por uma tempestade, como reagimos? Simplesmente amaldiçoar o vento e as ondas estrondosas seria tanto imaturo quanto ineficaz. É muito melhor aceitar o fato da tempestade, sobre o qual não temos controle, e voltar nossa atenção para o que podemos controlar, ou seja, a nós mesmos e ao veleiro. Quanto de vela deveríamos içar? Qual deveria ser o curso, a carga – está amarrada? E as escotilhas, estão fechadas? A vida se nos apresenta com tempestades e provações. Frequentemente não são deliberadamente criadas por nós, mas o modo como lidamos com elas, sim, pode ser. Este exercício, portanto, não é destinado a esvaziar-nos de emoção, e sim a ajudar a guiar-nos através do alto mar.
Cultivamos a equanimidade a fim de encontrar uma abertura para o entendimento e a reconciliação. Do ponto de vista do leme ou de um ponto mais elevado podemos muito bem descobrir a insignificante base para nossos ciúmes ou o fundamento ilusório para o nosso desejo. O insigth assim obtido não elimina automaticamente este ciúme ou desejo. Não obstante, foi dado um início ao fato de não nos entregarmos às nossas emoções, e sim, deter-nos para colocar de lado o egoísmo e descobrir o “Martin Luther King em nós, tomando o conflito em mãos muito mais generosas. Continuamos convivendo com nossas fragilidades humanas, mas passamos a falar, a agir e a viver desde um lugar elevado, situado além do ego e que podemos denominar de Eu Silencioso.
Com o tempo, esta prática pode culminar no nascimento deste self silencioso, que normalmente é obscurecido e olvidado.  Neste espaço contemplativo que então se abre em nós, o ego comum desaparece e nós começamos a atuar a partir do “não –eu”. No cristianismo isto corresponde à descoberta do “não eu, mas Cristo em mim”.  Isto quer dizer que todos os aspectos exteriores da minha persona ( sexo, profissão, conhecimento factual...) passarão, e somente o não-eu permanecerá. É como se mudássemos nosso modo de consciência do centro para a periferia, e ao fazer isso, experimentássemos tudo de nova maneira. Um ato ou uma palavra de um terceiro que antes suscitava raiva  ou mágoa, modifica-se com o nascimento do não eu. A raiva pode até ser justificada, e nós até podemos valorizar o sentimento de ultraje moral antes de voltar-nos em direção ao não eu. Contudo, uma vez nascido em nós, passamos a nos defrontar com nossa raiva ou nossas tristezas de modo diferente, tal como King se defrontou com a multidão enraivecida. Quando um golpe potencialmente devastador nos atinge trilhamos um caminho em que limpamos as emoções destrutivas rumo à generosidade. Como consequência, nossas palavras se originam de uma fonte diversa, que busca o entendimento mútuo e a reconciliação em vez de vitória. E podemos constatar que este modo de ser acaba por provocar uma resposta similar no opositor. As pessoas que encontramos começam a descobrir-se falando com generosidade incomum. Em lugar de rispidez, pode surgir respeito mútuo, e com ele um novo início para um relacionamento.
Tais mudanças, contudo, não ocorrem da noite para o dia. Somos um meio marcadamente resistente a modificação. Mas se praticarmos este trabalho interior consistentemente será como diz o poeta Thiago de Mello: “Na fogueira do que faço, por amor me queimo inteiro. Mas simultâneo renasço, para ser barro do sonho e artesão do que serei”.  Pois somos ao mesmo tempo a pedra dura, o cinzel transformador e as mãos condutoras do arista.
“Benditos são os homens e as mulheres
Que ultrapassaram sua cobiça
E puseram fim ao seu ódio
E não nutrem mais ilusões.
Porém se alegram com o modo de ser das coisas
E mantêm seus corações abertos, dia e noite.
São como árvores plantadas junto a rios fluentes
E que dão frutos quando prontas.
Suas folhas não cairão ou murcharão.
Tudo o que fizerem terá êxito.”                   
Stephen Mitchel ( the enlightened heart)
Bem, na medida em que conquistamos progressivamente a calma e o bem-estar interior, podemos dizer que agora temos um ambiente anímico silencioso no qual podemos introduxir um conteúdo próprio à meditação e para o qual convergirá por certo tempo toda a nossa atenção. Se esta base de silêncio estivesse ausente, nosso trabalho posterior seria em vão. Por esta razão esta preparação é essencial. E agora depositamos no centro da alma algo que se relaciona com o que tem valor para todos os seres humanos. Um conteúdo de valor universal, suprapessoal e verdadeiro. Buscamos o que transcende nossos problemas pessoais, as realidades morais e espirituais que subjazem a todas as coisas e seres.
Tendo atravessado o portal da humildade, encontrado a senda da reverência, cultivado a higiene interior e dado nascimento ao self silencioso, nós empreendemos a meditação propriamente dita. Neste estágio a forma pode assumir diversas apresentações: podemos meditar em imagens simbólicas, em palavras mântricas, em um aprofundamento de sentimentos, etc. Mas o importante é que nos mantenhamos presentes e totalmente concentrados nesta experiência interiormente gerada.
“Na meditação nos movemos entre atenção focalizada e atenção aberta. Dedicamos toda a nossa atenção às palavras individuais do nosso texto escolhido, bem como às imagens e significados associados. Depois nos movemos para o seu mútuo relacionamento, de modo a vivenciar um organismo pensamental vivo. Permitimos que essa experiência se intensifique, mantendo interiormente o complexo de significados diante de nós. Talvez precisemos fazer ressoar de novo as palavras, elaborar as imagens, reconstruir os significados, e sentir outra vez suas interrelações a fim de persistir e intensificar a experiência. Após um momento de vívida concentração no conteúdo da meditação, o conteúdo é liberado. Aquilo que foi retido se foi. Nossa atenção se abre. E nós permanecemos inteiramente presentes. Um espaço psíquico interior foi preparado intencionalmente, e nós permanecemos naquele espaço. Aguardamos, não com expectativa, mas em abertura receptiva para acolher o que possa surgir de dentro da calma infinita como insight ou inspiração. Se uma tímida, crepuscular experiência emerge no espaço que preparamos, nós a saudamos agradecidos.
Isto é como uma espécie de respiração cognitiva Primeiro, intencionalmente nos concentramos em um conteúdo; depois o liberamos (expiramos) e mantemos nossa atenção aberta. E então pode ser que inspiremos algo para dentro da alma, não como ar, mas como luz, como revelação anímica sob forma de imagem ou de fala interior. À medida que respiramos a luz da atenção, pode ser que sintamos uma alteração em nosso estado de consciência. Sentimentos de expansão e união, movimento e vitalidade podem seguir-se. E nos sentimos enriquecidos. Regressamos a nós mesmos aprofundados, mais despertos e reafirmados por nosso contato ou busca de conexão com os mistérios de nossa própria essência divina.
Se entramos pelo portal da humildade para iniciar esta jornada, agora é hora de voltarmos através do portal da gratidão. Gostaria de compartilhar alguns versos que ao menos para mim, traduzem algo da essência da gratidão:
AGRADECER REALMENTE     
(Bert Hellinger)
Agradecer me torna grande, pois quando agradeço tomo algo de outros ou da vida como um presente. Isso me enriquece, porque o recebo. Ao mesmo tempo, o que recebo agradecido não pode ser perdido por mim. O agradecimento me permite conservá-lo e aumentá-lo. Ele atua como o sol e a chuva morna atuam sobre uma planta jovem. Ela floresce.
Agradecer significa:
Tomar o que me é dado,
Segurá-lo nas mãos,
Acolhê-lo dentro de mim,
Em meu coração,
Até que percebo internamente:
Agora é parte de mim.
Agradecer também é:
Aplicar o que me foi dado e se tornou uma parte de mim
Numa ação que permita a outros
Alcançar também
O que me enriqueceu.
Só então o que me foi dado
Alcança sua plenitude.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora a vida meditativa seja muito individual e por isso diferente para cada pessoa, elementos chaves podem ser observados e reconhecidos como comuns à grande maioria.
Talvez estes que abordamos sejam alguns deles. Importante seria acrescentar que no caminho de autodesenvolvimento consciente como proposto pela Ciência Espiritual Antroposófica, certas categorias de exercícios meditativos são especialmente importantes para estimular determinadas aquisições de conhecimentos superiores conforme os vários graus de cognição. Assim, a meditação com imagens e representações simbólicas é especialmente indicada para o desenvolvimento da imaginação, que nos pode despertar os olhos espirituais. O trabalho com os textos mântricos, como por exemplo os do calendário da alma, são particularmente indicados como estímulo à inspiração que se obtem mediante a transformação do nosso sentir e faculta-nos uma audição interior, a percepção da palavra ( verbo interior) oculta nas coisas e seres. E finalmente, exercícios como os da retrospectiva em suas mais variadas formas, na medida em que fortificam e transformam a vontade, estimulam especialmente o desenvolvimento da intuição.
Porém, se a prática meditativa pode levar ao desenvolvimento de certas faculdades de percepção superior, isto não garante  que o meditante possuirá automaticamente um enobrecimento moral ou que praticará uma vida ética. Para isso há que cuidar da purificação do próprio caráter através dos assim chamados exercícios complementares ou colaterais. Colaterais porque deveriam ser praticados ao lado, paralelamente aos outros já mencionados, e complementares porque balanceiam e equilibram a atuação e efeitos dos primeiros exercícios, que de outra forma, seriam sentidos como unilaterais. Eles são de extrema importância para a saúde espiritual do aspirante ao conhecimento superior e deveriam ser tanto ou mais praticados como parte deste caminho de auto desenvolvimento consciente.
 Eles são descritos inicialmente na obra de Rudolf Steiner “Como Adquirir Conhecimentos dos Mundos Superiores”e não deveriam jamais ser esquecidos.
Esperamos que esta introdução possa encorajar a todos à prática meditativa e à busca espiritual adequada aos nossos tempos.

APÊNDICE

Versos dadaos por Steiner para esta época de Michael
Para noite:
Carrego meu pesar ao sol poente,
Coloco minhas preocupações em teu colo resplandecente
Purificadas em Tua luz e
Transformadas por Teu Amor
Que elas me retornem
Como pensamentos que auxiliem
Como forças para um agir alegre
Disposto ao sacrifício
Para manhã:
Oh Michael
À tua proteção eu me encomendo
À tua direção eu me uno
A partir da força do meu coração
Que este dia se torne imagem
Da tua vontade
Que ordena o destino.


Palestra com Ana Paula I. Cury em 20.06.2013 na SBPNL
http://www.sab.org.br/portal/meditacao/201-introducao-a-pratica-meditativa

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